dimanche 14 décembre 2008

presunção

O gato preto. Ah, essa vontade artística que me possui. Lá estava ele, contrastando nos minuciosos movimentos com o cinza urbano do asfalto e suas linhas amarelas. O reluzente amarelo, mesmo das luzes de natal envoltas nas árvores. O mesmo gato preto, eterno gato preto a azucrinar. Sua presença torna tudo fúnebre, me dá calafrios. Não sei como ele pode gostar de tal gato. Ele se sente bem, acaricia-o. Deve ter um instinto materno, por isso toda essa perseguição. É, ele só me lembra de minhas impossibilidades. Essa capacidade fatídica do não-amar. Mas foda-se.
O gato preto. Por mais clichê que isso possa soar, ele só aparece na noite. Igual às prostitutas, igual ao meu instinto devasso, igual ao álcool. Não, o álcool está em todo lugar. Mas o prazeroso prazer do cigarro, do cheiro esfumaçado, da lisergia.. ah, esses sim só aparecem à noite. Sem o sol tudo brilha mais, é o próprio, o eu sem intervenção. O sol só ofusca, atrapalha, cega. E o gato disso tudo deve saber. Fica por aí, a espreitar nossos movimentos bruscos, nosso sexo explícito, nossa bebedeira na fossa, nossa solidão. A solidão solitária, a solidão na multidão, a solidão com o cigarro. E ele lá, só a observar. Nada mais tem a fazer na vida, assim como nós. Mas forjamos o labor; ele não, ele admite sua condição e vive, como observador passivo. Sim, às vezes nem tão passivo, como quando faz questão de vir se esfregar, se roçar em mim. Será que ele crê que vai achar algo como, amor? É, o gato seria tão ingênuo e inócuo quanto ele. Ah, ele. Não sei como senti prazer com a perda.
Cansei dessa coisa axiomática. Aaah, quero amar, quero sofrer, quero que doa. Não quero ser alheia a tudo. Não quero ser esse gato preto, observador invisível do universo. Ou do meu micro-universo. Ou é tudo pretensão minha, e ele ta realmente se fudendo pra isso tudo. Quer apenas caçar seus ratos, e andar sem rumo. Sem paradeiro. Como eu.
Ou não.