lundi 25 juillet 2011

mioma

tomo uma brisa nesse frio sem meias, quero ver se espaireço. brisa amarelada, repleta de bolinhas sedentas pela superfície. assim como você ontem e sempre, buscando a superfície da alta embriaguez. trôpego e titubeante, seus olhos tem menos brilho que a brisa. não tem foco, não tem destino... perdidos na imensidão do ar. juras amores promessas se liquefazem num álcool amargo intragável. bafo de morte, gosto sepulcral. e a dor do câncer, perene... ubíquo... não deixa o amor liquefazer também.

lundi 11 juillet 2011

memórias subterrâneas

eu não aguentava mais trabalhar naquela catacumba. tijolos cor de barro dispostos por toda aquela imensidão vazia, os espaços sempre enevoados como se tocasse o réquiem de um apocalipse zumbi. trabalhava ali em meio à poeira e ao nada, retirando cultura debaixo dos tacos. milhares de livros, cds, documentos. todos subterrâneos, proibidos. já não me lembrava há quanto tempo não sentia o cheiro do sol.
também não me lembro como aconteceu. refugiada ali naquele submundo, não me recordava como era uma feição humana, uma face.o estranhamento foi enorme ao ver adentrar no meu sepulcro uma coisa além de névoa. era um amontoado de carne, ossos e pelos. um rosto bronco, repleto de barba. não sei se era ele alto demais ou eu alta de menos. nós não nos falamos. nem um balbucio. gaguejo. nada. ele me olhou com seu olhar pleno de ébano. era como se fosse um autômato, ou então com tanta vida que eu não conseguia identificar. era como se me lesse inteira por dentro, e soubesse melhor que eu o que eu queria e deveria fazer. foi quando eu resolvi me entregar.
nos encaramos por mais alguns diversos instantes, um fotograma que se repete por toda eternidade. ele agarrou meu braço e me puxou para fora da imensidão da minha sala retangular. redescobri a escuridão do corredor que leva o mundo exterior a minha catacumba. tanta poeira que gravava as marcas de nossos pés. a marca dele era grande, pesada. me dava tanto medo quanto segurança. continuamos penetrando a escuridão e chegamos num hall. uma cadeira antiga, duas paisagens pregadas na parede. o vidro estava estilhaçado pelo chão e a clarabóia apoiava uma escada. subimos. rememorei o cheiro de sol e quase me ceguei com os reflexos dourados na névoa. tudo ao mesmo tempo. ele sibilou sua primeira palavra - toma. sua voz era determinada, linear, ela já tinha atingido o que ele planejava. ele entregou em minha mão dois brinquedos estranhos. um, tinha formato de controle remoto, um botão parecido gatilho atrás e na ponta ia se tornando mais grosso. outro, parecia pingente com uma luz vermelha passeando nervosa dentro de uma cápsula transparente.
a curiosidade pelos brinquedos passou e deu lugar a curiosidade pelo mundo. estávamos num prédio com poucos andares, estranho, com várias aberturas para o céu e jardins extremamente vívidos. transeuntes passeavam no piso que era o teto da minha catacumba. me senti como a toupeira que vê o sol e queda cega. essas pessoas também pareciam autômatas, mas sem o magnetismo daquele que me buscou. era como se nem notassem minha palidez de quem há anos não vê o sol.
ele encostou na minha mão. firmávamos um pacto. corporal, de morte e vida. ele colocou sua mão em volta da minha, com o controle remoto no núcleo, e apontou meu braço na direção de um casal que passava conversando ao lado. apertou meu dedão no gatilho. os quatro pés ao nosso lado distanciaram-se do chão, os milhões de fios de cabelo desobedeceram a gravidade e os dois corpos contorceram-se no ar por volta de três minutos. caíram como fruta madura.
fui embalada por uma deliciosa gargalhada, quando percebi que além de tanta vida transbordava morte naquele homem barbudo. me senti seduzida de corpo e alma por aquele tânatos-eros ambulante, e não consegui evitar uma deliciosa gargalhada que pareceu permanecer por toda eternidade.
tudo me pareceu claro nesse instante. usaríamos os dois brinquedos que havia me dado em quantas pessoas nos apetecessem e depois sumiríamos. viraríamos pó. e eu aceitei.
antes de me ensinar a manusear o que parecia um pingente, ele novamente me paralisou no olhar e disse - morreremos juntos. concordei tacitamente apenas com o brilho louco de explosão no meu olhar, era tudo o que eu sempre quis e somente o que eu faria.
o outro brinquedo era como laser de criança, o qual me lembro remotamente como adorno de crianças endiabradas. já o laser que do meu pingente transparente saía não era como o das crianças insuportáveis, para mirar nos olhos alheios apenas para perturbar. o meu fatiava em desenhos inimagináveis feitos apenas pelo meu balançar de mãos qualquer corpo que eu apontar.
fatiamos mais algumas pessoas que por nós passavam e saímos correndo pela grama, rumo a uma subida. toda a determinação e certeza que me apossavam começaram a desaparecer a cada passo. o que eu estava fazendo não tinha volta. era pacto com a morte.
fui tomada de súbito pela desorientação. não quero mais. na verdade, nunca quis. fatiar corpos, torturar pessoas. que inferno eu fiz?
começamos a ser perseguidos por duas mulheres. até agora não entendo porque não abusei da fatalidade dos meus brinquedos para acabar com elas. talvez fugir, não sei.
ele novamente apertou minhas mãos. dessa vez, a aflição dominava sua voz, o tom era alto, mas quase uma súplica - MORREREMOS JUNTOS, MORREREMOS JUNTOS. as mulheres se aproximavam mais e mais e mais. ele suava frio e seus olhos vidrados me refletiam como se eu fosse o nada. colocou o controle remoto na minha mão, o pingente na dele. eu não queria mais morrer, tinha tanta coisa pra viver no mundo, tanta coisa pra fazer das quais havia esquecido enquanto encarcerada naquela biblioteca subterrânea. muito menos queria ter matado, não sei de onde brotaram as gargalhadas que acompanhavam o esfacelamento dos corpos. só ecoava pelo meu crânio o arrependimento.
ele apontou o pingente para minha cabeça, e com os olhos marejados, balbuciou - morreremos juntos.
acordei.